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Medicina veterinária

     Quando
estudamos os processos de digestão e absorção, podemos observar que ambos são
distintos, porém estão intimamente relacionados. A digestão é a quebra dos
nutrientes em partículas menores, as micromoléculas. Já o processo de absorção
é nada mais do que a passagem destas micromoléculas através do epitélio
intestinal para a corrente sanguínea (figura 22).
  Desta forma, se a gente pegar um animal que
tem deficiência em algum desses processos, o outro não acontecerá com
eficiência; se houver um problema na digestão, consequentemente a absorção não
ocorrerá, ou se houver comprometimento na absorção, não adianta de nada ocorrer
a digestão, pois as moléculas não passarão pelo epitélio intestinal.

                Digestão e absorção de nutrientes são processos distintos, porém relacionados

Estrutura do
intestino delgado

    O
intestino delgado proporciona uma grande superfície de contato para permitir
que a digestão e absorção aconteça de forma adequada; neste segmento é onde
ocorre a maior parte desses processos, principalmente no duodeno. Em muitas
espécies podemos observar pregas circulares da mucosa. O epitélio possui também
diversas projeções em direção ao lúmen, as
vilosidades. Na base da
vilosidade podemos encontrar as criptas. Tanto as criptas quanto as
vilosidades, ficam recobertas pelos
enterócitos, sendo que esses, por
sua vez, possuem em sua membrana apical as
microvilosidades, ou borda
em escova
. Os enterócitos também possuem glicoproteínas, oligossacarídeos e
glicolipídios em sua membrana, que são enzimas digestivas e moléculas
transportadoras para auxiliar na digestão. Essa camada rica em diversas
moléculas que se forma é chamada de
glicocálice. Observe a estrutura na
figura 23.

Vilosidades e microvilosidades do intestino

    Parte
da membrana do enterócito não fica voltada para o lúmen e fica em contato
direto com os líquidos extracelulares, essa é a
membrana basolateral.
Esta parte da membrana é importante na absorção de nutrientes. Entre um
enterócito e outro se forma um espaço, o
espaço lateral. Além disso,
dividindo a membrana apical da basolateral, há uma junção oclusiva que liga um
enterócito ao outro, ela é chamada de
zônula de oclusão. Esta região de
oclusão entre as células é na verdade um tipo de junção frouxa que permitem a
passagem de água e alguns eletrólitos.

Estrutura dos enterócitos

Microambiente
formado

    Como já falado anteriormente, no
trato digestório muitas secreções são produzidas para que ocorra a digestão, o
que torna o ambiente aquoso. As células caliciformes ficam distribuídas entre
os enterócitos e secretam um muco. O muco secretado se combina com o
glicocálice para formar uma camada viscosa com capacidade de aprisionar
moléculas na membrana apical. Uma fica camada de água acaba se aderindo a essa
camada viscosa por forças de tensão superficial. Essa camada 
é conhecida como camada de água estacionária,
camada de água inerte ou camada estável de água. No lúmen do
intestino, a água flui com uma velocidade maior, enquanto a água que passa
próxima à camada viscosa entra em atrito e flui com uma velocidade lenta,
criando essa fina camada de água estacionária. Isso permite que uma barreira de
difusão se forme para que os nutrientes entrem nos enterócitos. Veja na figura
24.

microambiente formado que favorece a digestão e absorção dos nutrientes

Processos
de digestão e absorção de nutrientes

    A
digestão ocorre pela quebra física e química do alimento. Após a quebra, as
partículas possuem tamanho suficiente para que ocorra a absorção. Quando o
alimento passa pela quebra física, que ocorre na boca e no estômago distal, a
sua superfície é exposta à ação de enzimas hidrolíticas. A digestão química
ocorre pelo auxilio de enzimas que vão realizar a hidrólise do alimento, isso
é, rompimento das ligações químicas pela inserção da molécula de água.

    Quando
a gente fala de digestão química, podemos encontrar duas classes de enzimas, as
que agem no lúmen e as que agem na superfície da membrana do epitélio
intestinal. Isso acaba dando origem a duas fases da digestão: a fase luminal,
que é realizada por enzimas secretadas pelas diferentes glândulas (fígado, pâncreas,
glândulas salivares), e a fase de membrana, aquela que acontece pela
ação das enzimas que ficam aderidas à membrana dos enterócitos. As enzimas de
fase luminal quebram as macromoléculas em polímeros de cadeias curtas, enquanto
as enzimas da fase membrana quebram os polímeros de cadeia curta em monômeros
para que esses possam ser absorvidos. A digestão de fase luminal ocorre no
microambiente formado pelo glicocálice, muco e camada de água estacionária.

    O
processo de absorção ocorre pela passagem das moléculas pela membrana apical e
basolateral. Nestes locais existem transportadores específicos para os diversos
nutrientes. Aqui não será explicado em detalhes os tipos de transporte que encontramos,
mas são utilizados transportes ativos (proteínas especializadas) e transportes
passivos (seja pela membrana ou pela junção oclusiva).

Carboidratos

    Os carboidratos são moléculas constituídas por
hidrogênio, oxigênio e carbono arranjados em cadeias de açucares simples. Na
dieta, quase todos os carboidratos são polissacarídeos ou dissacarídeos, que
são combinações de monossacarídeos ligados um aos outros. No processo de
digestão, esses carboidratos precisam ser quebrados em monossacarídeos por
enzimas especificas que agem nas ligações dos carboidratos. Dos carboidratos
existentes, podemos dividir em alguns tipos: o amido, açucares e fibras. As
fibras requerem um processo de digestão diferente, o processo fermentativo. O
amido é o principal nutriente da dieta de alguns animais onívoros (porco, rato,
primata).

    De
todos os carboidratos, o amido é o único que necessita passar pela digestão
luminal, pois o resto passa apenas pela fase de membrana. A amilase é uma
enzima pancreática e, em algumas espécies, presente na saliva; sua função é
fazer a digestão do amido. Essa molécula é quebrada em dissacarídeos,
trissacarídeos e monossacarídeos, e então seguem para fase de membrana. Na fase
de membrana, encontramos uma enzima especifica para cada tipo de carboidrato,
então eles são digeridos e se tornam monossacarídeos, daí podem ser absorvidos.
No processo de absorção, eles atravessam a membrana apical, passam pela
membrana basolateral e entram na corrente sanguínea. 

digestão e absorção de carboidratos

Proteínas

As proteínas são cadeias de
aminoácidos ligadas por ligações peptídicas. Existem inúmeras enzimas que
digere proteínas. A depender da maneira que a proteína é quebrada pela enzima,
ela receberá diferentes nomes: endopeptidases e exopeptidases. As
endopeptidases quebram as cadeias de aminoácidos em pontos internos, o que
resulta em cadeias curtas de aminoácidos, já as exopepitidases quebram as
cadeias pelas extremidades, gerando aminoácidos livres.

Quando
a gente pensa em digestão de proteínas, mais especificamente a fase luminal,
ela se inicia lá no estômago, tanto pela ação de enzimas hidrolíticas quanto
pelo HCL, que possui propriedades hidrolíticas. A quebra física e química que
acontece no estômago é extremamente importante para digestão das proteínas. As
enzimas pancreáticas vão completar a fase luminal no duodeno. Existe uma gama
gigante de enzimas pancreáticas que cuida da digestão proteica. Após serem
quebradas, as proteínas vão para a fase de membrana e, assim como os
carboidratos, são digeridas por enzimas que estão na superfície apical dos
enterócitos e, então, reduzidas a aminoácidos livres. No entanto,
diferentemente dos carboidratos que apenas a forma monomérica passa pela
membrana apical do enterócito, alguns dipeptídeos e tripeptídeos são absorvidos
e digeridos dentro da célula, o que gera aminoácidos livres. Então, da mesma
forma, eles passam pela membrana basolateral, atingem o espaço lateral e entram
na corrente sanguínea. A figura 27 exemplifica a digestão de proteínas. Sobre
as enzimas que digere proteínas, normalmente elas são sintetizadas na forma de
zimogênios (forma inativa) e ativadas na luz do TGI, pois elas poderiam
degradar a própria célula que a secretou. A pepsina, por exemplo, é ativada na
luz do estômago pelo HCL, já as enzimas pancreáticas, grande parte delas são
ativadas pela tripsina lá no duodeno. 
Absorção e digestão de proteínas

Gorduras

Agora vamos entender algo um pouco
mais complexo. A gordura é uma molécula hidrofóbica, isso é, insolúvel em água.
A digestão química ocorre pela quebra da molécula por um processo de hidrólise
e as gorduras não podem ser facilmente hidrolisadas, então há necessidade de
passar por uma ação detergente, possibilitando assim que elas sejam submetidas
a uma ação enzimática. Os lipídeos podem ser assimilados passando por quatro
fases: a emulsificação, hidrólise, formação de micelas e absorção.

No estômago distal, os lipídeos
começam a ser emulsificados, passando por um processo de aquecimento
(temperatura corporal), agitação, mistura e separação. Nessa etapa, as gorduras
se tornam gotículas e passam para o duodeno. No duodeno, as gotículas sofrem
ação dos sais biliares, o que completa o processo de emulsificação. Os sais
biliares possuem porções hidrofílicas e hidrofóbicas. As porções hidrofóbicas
se ligam às moléculas de gordura, enquanto as partes hidrofílicas ficam
projetadas. O resultado final é a redução da tensão superficial da gordura
tornando-a solúvel em água e, dessa forma, ela é ainda mais dividida e
reduzida. Essa ação é chamada de ação detergente dos sais biliares. Após
isso sofrer ação detergente, as moléculas podem ser hidrolisadas pela lipase
e colipase. Essas enzimas agem em conjunto para hidrolisar os
triglicerídeos (principal gordura da dieta), o que resulta em ácidos graxos
livres e monossacarídeo.

A próxima etapa é a formação de
micelas. Os ácidos graxos livres e os monossacarídeos se combinam com os ácidos
biliares e fosfolipídios para formar as micelas, que são pequenos agregados
hidrossolúveis de ácidos biliares e lipídeos. No processo de absorção, os
componentes da micela passam pela membrana apical, seja por difusão simples ou
por proteínas transportadoras. Os ácidos biliares não são absorvidos com os
outros componentes da micela, eles permanecem no lúmen e são absorvidos no íleo
por um sistema de transporte especifico (cotransporte com sódio). Logo após,
eles caem na corrente sanguínea e são reciclados pela circulação conhecida como
êntero-hepática. Voltando aos componentes da micela (lipídeos) que foram
absorvidos, dentro da célula eles vão se juntar com diversas outras moléculas
para formar o quilomícron, que é uma molécula hidrossolúvel. A partir disso, da
mesma forma que outros nutrientes, eles passam pela membrana basolateral e caem
no espaço lateral, mas são moléculas muito grandes para passar pela membrana
basal dos capilares sanguíneos, então são absorvidos pela circulação linfática.
Eles vão para o ducto abdominal e posteriormente para o ducto torácico, o maior
coletor de linfa do organismo, que por sua vez desemboca na veia cava. Veja na
figura 28 e 29 o resumo das fases da digestão e absorção de gordura.

Digestão e Absorção de gordura
Digestão e Absorção de gordura

Veja a vídeo aula sobre Digestão e absorção: processos não fermentativos

Referências

REECE – Dukes- Fisiologia dos Animais Domésticos. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara Koogan S.A., 2017.
CUNNINGHAN. J.G. Tratado de Fisiologia veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2014.
GUYTON, A.C., HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed. Editora Guanabara- Koogan, 2011.
JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica: texto e atlas. 12.ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2013. p. 4.
KIERSZENBAUM, A.L. Histologia e Biologia Celular – Uma Introdução à Patologia –
MosbyElsevier 2ª ed. 2008, 677p.

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