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Medicina veterinária

 A digestão química, que vimos antes, são processos que ocorrem por enzimas hidrolíticas, enzimas essas que são produzidas por glândulas especificas do próprio animal. 

As fibras são carboidratos que não podem ser digeridos pelas enzimas do animal. Exatamente por esse motivo, alguns animais possuem compartimentos que favorecem o crescimento microbiano. 

Os ruminantes, por exemplo, possuem os pré-estômagos (rúmen, reticulo e omaso), já o cavalo e o rato não possuem pré-estômagos, mas possuem compartimentos distais ao intestino delgado (ceco e colón). 

Observe na figura 30 os compartimentos de digestão fermentativa.

Ecossistema formado nos compartimentos

Nos pré-estômagos, bem como no ceco e colón, existem diversas espécies de bactérias, sendo que grande maioria são anaeróbias estritas. 

Neste ambiente, também há fungos e protozoários. Essas características permitem a formação de um ecossistema. 

Bactérias: são capazes de fermentar uma gama enorme de substratos;

Fungos: possuem papel importante na digestão da parede celular vegetal; 

Protozoários: além de possuírem uma capacidade fermentativa semelhante a das bactérias, também possuem a função de manter a população bacteriana sob controle, pois ingerem grandes quantidades de bactérias. 

O ecossistema que se forma nesses compartimentos é complexo; nele, os produtos excretados por um microrganismo podem servir de substrato para outro.

Substratos da digestão fermentativa

O principal substrato que passa pela digestão fermentativa são as fibras. A célula vegetal, diferentemente da célula animal, possui uma parede celular, que é um complexo de vários carboidratos. 

 

Nessa estrutura, encontramos a celulose, que possui resistência semelhante ao tecido conjuntivo animal, a hemicelulosepectina e a lignina, que funcionam como uma espécie de cimento para a celulose.  A lignina não é um carboidrato, mas todas as outras são. 

 

Essas moléculas (celulose, hemicelulose e pectina) não podem ser digeridas pelas enzimas hidrolíticas dos animais, mas estão sujeitas a ação de enzimas produzidas por bactérias, as celulases

 

A lignina é um componente de difícil digestão, tanto por enzimas bacterianas, quanto enzimas dos animais.

 

Não apenas os carboidratos estão sujeitos a digestão fermentativa, mas as proteínas da dieta também. 

 

A digestão de proteína pelos microrganismos ocorre principalmente nos ruminantes, já que a proteína passa primeiro pelos pré-estômagos, ou seja, esses nutrientes não se tornam disponíveis para a digestão glandular e aproveitamento insuficiente desses nutrientes.

 Aproveitamento dos ácidos graxos voláteis

Quando um carboidrato ou até mesmo outros nutrientes chegam aos compartimentos fermentativos, eles são atacados pelas bactérias, que degradam a molécula e liberam os nutrientes. 

 

No caso dos carboidratos, a glicose, dentre outros componentes, são liberados e se tornam disponíveis para os microrganismos. 

 

Os microrganismos metabolizam esses componentes e liberam os ácidos graxos voláteis (AGVs). Os ácidos graxos voláteis são os produtos da fermentação e constituem a principal fonte de energia do animal hospedeiro. 

 

Os principais ácidos graxos voláteis produzidos são: ácido acético, ácido propiônico e ácido butíricoDestes três, o ácido acético está envolvido na produção de gás metano.  

 

Como já mencionado, os AGVs são os produtos finais do metabolismo microbiano, ou seja, o produto de excreção. Isso significa que há uma relação simbiótica entre os microrganismos e o hospedeiro onde o hospedeiro fornece um ambiente adequado e substrato energético para o microrganismo e esse, por sua vez, fornece os ácidos graxos voláteis ao hospedeiro, que pode se beneficiar da energia química contida ali. 

 

Esse composto pode substituir em grande parte o papel da glicose nos monogástricos, sendo assim a principal fonte de energia nessas espécies. Observe o esquema na figura 31. 

 

O epitélio do rúmen forma um ambiente favorável para a absorção de AGVs, de forma que eles são absorvidos no próprio rúmen.

 

Quando a gente fala de aproveitamento de proteínas, os ruminantes não aproveitam de forma eficiente a proteína da dieta, mas as proteínas de fonte bacterina constituem ótimas fontes. 

 

As bactérias possuem a capacidade de gerar proteínas a partir de fontes não proteicas como a ureia e amônia. 

 

Quando essas bactérias morrem ou alcançam compartimentos não fermentativos junto com a ingesta, a proteína existente dentro dessas bactérias é atacada por enzimas hidrolíticas do próprio animal e os aminoácidos são utilizados pelo hospedeiro. 

 

Os monogástricos podem aproveitar melhor a proteína de origem dietética, já que as câmaras de fermentação são distais ao intestino delgado e as proteínas passam primeiro por compartimentos não fermentativos.

Motilidade dos pré-estômagos

No rúmen e no reticulo, observamos três tipos diferentes de contração, que desempenham diferentes funções: a mistura da ingesta (contrações primárias), remoção de gases (contrações secundárias) e regurgitação do conteúdo luminal

Esses padrões de movimentos são controlados por reflexos originados do bulbo. 

O padrão de motilidade dos pré-estômagos é algo complexo que não será detalhado aqui, porém é importante saber que a motilidade e a fermentação separam o conteúdo em algumas porções criando estratificações, de forma que, na região mais dorsal, podemos encontrar o conteúdo gasoso, na parte do meio fica o conteúdo sólido, já em regiões mais ventrais permanece o conteúdo liquido (figura 32).  

Na maioria dos pequenos ruminantes, a ingesta não forma essas camadas durante a fermentação. 

Contrações primárias: As contrações primárias consistem emdiversos padrões de motilidade que misturam a ingesta e vai transferindo o alimento para os diferentes sacos do rúmen.

 Contrações secundárias: As contrações secundárias começam nas porções caudais do rúmen e vai até o saco dorsal, ao mesmo tempo que ocorre um relaxamento do saco ventral (para remover o liquido da cárdia) e ocorre também o relaxamento do esfíncter esofágico inferior. 

Esse padrão de motilidade permite que o gás contido no saco dorsal seja expelido, ou seja, eructação. Regurgitação do conteúdo luminal: A contração da porção média do saco ventral, onde há material sólido, força o conteúdo em direção à cárdia, enquanto o gás é direcionado em sentido caudal. 

Ocorre também um esforço inspiratório contra a nasofaringe fechada e o esfíncter esofágico superior aberto, o que cria uma pressão negativa para propelir a ingesta através do esôfago com o esfíncter esofágico inferior aberto. 

A partir disso, o material fibroso no esôfago inicia contrações antiperistálticas, em sentido oral, que propele o alimento em direção à boca, dando origem à ruminação.            

Os padrões de motilidade dos pré-estômagos vão selecionando as partículas menores e movendo elas em direção ao estômago verdadeiro (abomaso).

O material é transferido para o abomaso em uma velocidade constante. Neste local, há uma semelhança com os estômagos verdadeiros, então o material é misturado com o HCL e enzimas digestivas.

Reflexo do sulco reticular (goteira esofágica) em neonatos ruminantes

Durante a sucção, ocorre um reflexo em neonatos que permite que o leite seja desviado direto para o omaso, evitando sua entrada no rúmen. Se o leite caísse direto no rúmen, ele iria coalhar e poderia também causar destruição dos anticorpos do colostro. 

A medida que as bactérias se desenvolvem no rúmen, esse reflexo também tem a função de desviar as proteínas de alta qualidade do leite direto para o abomaso, e não para as bactérias. 

Nesse reflexo, se forma uma espécie de calha chamada de goteira
esofágica
ou goteira reticular, que percorre a parede do retículo,
indo desde a cárdia até o orifício reticulo-omasal. 

Ao serem estimulados, os músculos da goteira se contraem, causando um encurtamento e uma torção, o que forma um tubo quase que completo da cárdia ao canal omasal.

Intestino grosso dos equinos

Como já discutido anteriormente, a função do intestino grosso dos equinos é fazer fermentação (além das outras funções normais que existem em outras espécies). 

O padrão de fermentação desse compartimento é idêntico ao padrão que ocorre nos pré-estômagos, mas com algumas particularidades.  Antes da ingesta ser fermentada, ela passa pelo estômago (ação do HCL e enzimas) e pelo intestino delgado (ação  de enzimas hidrolíticas). 

ação do ácido clorídrico sobre a ingesta facilita o ataque microbiano, além disso, alguns nutrientes podem ser melhor aproveitados (como o amido), onde podem ser digeridos e absorvidos antes de chegar ao ceco. 

No entanto, a digestão glandular de carboidratos dos equinos não é tão eficiente, permitindo que o amido e outras moléculas alcancem o intestino grosso. 

As proteínas são absorvidas no duodeno e não chegam ao ceco, o que prejudica o fornecimento de materiais nitrogenados para os microrganismos, mas esses animais possuem um sistema de reciclagem de ureia para dentro do cólon, suprindo as necessidades de nitrogênio para os microrganismos. 

Diferente dos ruminantes, essa espécie não consegue aproveitar a proteína de origem microbiana, portanto são eliminadas nas fezes.

Mapeamento dos conceitos

Referências
REECE – Dukes- Fisiologia dos Animais Domésticos. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2017.
 
CUNNINGHAN. J.G. Tratado de Fisiologia veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2014.
GUYTON, A.C., HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed. Editora Guanabara- Koogan, 2011.
 
JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica: texto e atlas. 12.ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2013. p. 4.
 
KIERSZENBAUM, A.L. Histologia e Biologia Celular – Uma Introdução à Patologia – MosbyElsevier 2ª ed. 2008, 677p.
 

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